Antes do dia 9 de julho, a esmagadora maioria dos brasileiros desconhecia os percentuais que incidiam sobre produtos vendidos aos Estados Unidos, originários do Brasil. Esse tema, restrito a técnicos e especialistas, ganhou as manchetes após a famosa carta enviada pelo presidente Donald Trump ao Governo Brasileiro. A pauta da taxação, até então era um debate interno e quase alegórico, com ‘memes’ e discussões acaloradas que colocavam o Ministro da Economia do Brasil na berlinda. O noticiário que explodiu com a informação de que o Governo Americano imporia medidas econômicas drásticas ao Brasil deram, de certa forma, um alívio ao tema interno e as atenções se voltaram para o cenário internacional.
Desde então, não faltaram elucubrações: há quem assegure uma possível intervenção militar norte-americana, outros aventam a hipótese de um “apagão tecnológico”, com os EUA desativando sistemas de GPS que sustentam setores estratégicos no Brasil — uma medida capaz de paralisar o país. As teorias, claro, parecem saídas de um roteiro de Hollywood. O enredo dos últimos dias tem deixado qualquer analista econômico perplexo e transformado especialistas em geopolítica em meros palpiteiros de mesa de bar, incapazes de prever o futuro das próximas 24 horas.
Esse cenário quase cinematográfico me remeteu a uma obra-prima do audiovisual brasileiro: Abril Despedaçado (2001), dirigida por Walter Salles. O filme narra a saga de duas famílias sertanejas em guerra pela posse de terras. Um ciclo interminável de vingança marca a vida dos Breves e dos Ferreira, com mortes que se sucedem sem que se saiba, afinal, quem começou a contenda.
Tonho (Rodrigo Santoro), filho dos Breves, está destinado a matar — e, consequentemente, a morrer —, obedecendo ao pacto de sangue que rege o conflito. Ele cumpre sua sina, eliminando um membro da família opositora mas, no outro lado, já se articula a represália. Em uma das cenas mais simbólicas, durante um jantar na casa dos Ferreira, uma moça da família observa: “A camisa tá amarelando.” Ao que o patriarca responde, com frieza: “Sempre amarela.” O sangue da vítima na camisa, amarelando e secando ao sol do sertão, era o lembrete implacável de que o morto clamava por vingança e que o ciclo fúnebre não poderia cessar. A tragédia atinge o ápice quando uma criança da família dos Breves, sem sequer ainda ter sido batizada com um nome, é morta por engano na vasta Caatinga do Sertão — um inocente no fogo cruzado da violência cega.
A disputa comercial entre Brasil e EUA guarda inquietante semelhança com esse drama. A cada dia, surge um novo disparo: de lá, uma taxação; de cá, uma ameaça de retaliação. Não se trata mais de quem tem razão, de quem invade soberania alheia ou extrapola prerrogativas; trata-se de um duelo homérico, típico de um mundo polarizado e, talvez, mais próximo de um sertão movido à pólvora do que de uma disputa civilizada entre potências globais. Ninguém sabe ao certo quem apertou o gatilho primeiro. Mas uma coisa parece clara sob o sol inclemente das Américas: o sangue continuará amarelando. Enquanto isso, alguns poucos inocentes — empresas, trabalhadores, consumidores — tentam se esquivar das balas perdidas, das sanções arbitrárias e da diplomacia substituída por uma intransigência desvairada. Quem vencerá essa peleja? Difícil prever. Resta torcer para que, ao final, não terminemos com um Brasil despedaçado.
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